top of page

A PASSAGEM DO PARADIGMA INSTRUCIONAL PARA O PARADIGMA CENTRADO

NO ESTUDANTE E NA APRENDIZAGEM

Avaliação no novo paradigma

 

“O que é medido, é feito.”
(Kouzes e Posner, apud Harris e Cullen, 2010, pos.
1376)

 

Nesse processo, é fundamental que se reflita sobre o processo de avaliação, uma vez que, como diz Sanmartí: “Diga-me o que e como você avalia e lhe direi o que e como ensina (e o que e como seus alunos aprendem).” (2007, p. 17)

 

A avaliação condiciona o quê e como se aprende, já que “a ideia que os alunos têm do que aprenderão não depende tanto do que o professor lhes diz, mas sim do que ele realmente considera no momento de avaliar, e em relação a isso adaptam sua forma de aprender.” (Sanmartí, 2007, p. 20) O professor que usa apenas provas, cujas questões são de memorização, não pode ter a expectativa de que seus alunos vão buscar fazer relações entre os conteúdos, ter uma visão mais crítica sobre eles ou desenvolver a comunicação escrita e oral. No entanto, se ele utiliza exercícios de escrita, tais como portfólios ou minute papers, é mais provável que o estudante foque no desenvolvimento dessas competências.

 

Não é para menos que os estudantes perguntam recorrentemente aos professores: “isso cai na prova?” Se a prova é o instrumento de avaliação mais importante para o professor, é para essa estratégia que o estudante vai voltar seus esforços.

 

A concepção de ensino e aprendizagem que permeia a ação do docente está, pois, fortemente refletida nas estratégias que utiliza para avaliar seus estudantes. Como já foi discutido anteriormente (no curso Avaliação: princípios e estratégias), a avaliação classificatória ou somativa é aquela que se tem por objetivo verificar ao final do processo de ensino, se, e o quanto, o estudante aprendeu o que estava programado para determinado período.

 

No entanto, é na avaliação formativa que encontramos a possibilidade de que a avaliação constitua um processo de regulação, por meio do qual docente e estudante possam identificar dificuldades e criar estratégias para superá-las. Nesse caso, o feedback tem papel essencial, já que é ele que permite ao estudante desenvolver a auto-regulação e a metacognição, ingredientes fundamentais da competência de aprendizagem contínua.

 

BACKWARD DESIGN

 

Nesse contexto, o papel da nota muda.  A nota, N1 ou N2, quando vista isoladamente é uma medida somativa, que aponta apenas se o estudante está aprovado ou não. Ela, por si mesma, não mede os resultados de aprendizagem. Para medir esses resultados, é necessário relacioná-los com o desenvolvimento específico dos conhecimentos, habilidades e atitudes apontados como objetivos de aprendizagem e desenvolver instrumentos que permitam que os estudantes obtenham feedback do seu processo de aprendizagem. Por isso, no modelo do Backward design a avaliação se situa logo após o desenvolvimento dos objetivos. Se o objetivo de aprendizagem é que o estudante seja capaz de descrever por escrito os dados fornecidos por uma tabela ou gráfico, por exemplo, a avaliação dessa competência deve mostrar o grau de acurácia que o estudante foi capaz de evidenciar. E mais importante, deve fornecer aos estudantes a possibilidade de entender a razão pela qual ele ou ela obteve o resultado apontado pelo professor. E ao professor, deve permitir que ele reveja, se necessário, suas estratégias de ensino para que mais estudantes sejam capazes de atingir os graus esperados de desenvolvimento dessa competência.

 

Essa mudança de paradigma na avaliação não é fácil, nem para o professor, nem para os estudantes. São inúmeras as resistências desses últimos, que vêm de uma trajetória educacional marcada por experiências de aprendizagem nas quais o professor é o que sabe e ao aluno cabe reproduzir esse conhecimento nas provas, num conjunto de avaliações somativas. Some-se a isso, uma visão credencialista da aprendizagem, pouca valorização da aprendizagem e quase nenhuma capacidade de reflexão metacognitiva. Também para os professores a mudança não é fácil, uma vez que nós também tivemos uma história acadêmica na qual fomos avaliados de modo muito mais somativo do que formativo, o que torna esse tipo de avaliação uma espécie de “segunda pele”, difícil de ser superada. No entanto, é preciso ter clareza de que, como adverte Garcia: “as escolhas avaliativas dos professores, afinal, são capazes de moldar os trajetos de aprendizagem dos estudantes, e, portanto, de transformar a natureza de suas experiências educacionais na graduação.” (2009, p. 212)

 

O artigo Avaliação da aprendizagem no ensino superior, de Joe Garcia apresenta estudos e faz uma análise do papel da avaliação na aprendizagem e da relação entre a abordagem dos estudantes em relação à aprendizagem, em função do tipo de avaliação proposta pelo professor e das expectativas explícitas ou não, nas suas práticas educativas.

Passar do paradigma instrucional ou do modelo conteudista para o paradigma centrado no estudante ou na aprendizagem, não é tarefa banal. Exige tanto da instituição como de cada um de seus docentes uma revisão de princípios pedagógicos e de práticas docentes profundamente arraigados, já que foram incorporados no próprio processo educacional pelo qual cada um passou, se tornando quase que uma segunda pele, um modo de entender a educação e a aprendizagem.

 

Veja abaixo 8 práticas fundamentais nesse novo paradigma:

 

  • Os objetivos de aprendizagem devem orientar todo o processo de design das atividades de avaliação e das estratégias de ensino. O backward design, tratado no curso anterior ajuda a entender esse processo. Esses objetivos de aprendizagem devem estar coerentemente relacionados aos objetivos de aprendizagem do curso como um todo e ao desenvolvimento das competências que propõe que seus egressos dominem.













     

  • Avaliação é fator central da aprendizagem. Tanto a avaliação somativa, quanto a formativa tem seu papel e deve ser desenvolvida para que o estudante possa calibrar suas estratégias de aprendizagem, bem como o professor monitorar a efetividade das suas estratégias de ensino.
     

  • Papel do professor muda: não se trata mais daquele que é “fornecedor de conteúdo”, mas passa a ser o de organizador de experiências de aprendizagem significativas, de orientador do processo de aprendizagem. Para que isso ocorra, há uma mudança na distribuição do poder na sala de aula. Professor e estudantes podem trabalhar juntos, por exemplo, na definição dos instrumentos válidos de avaliação, nas expectativas comportamentais e de compromisso e na responsabilidade sobre a aprendizagem.
     

  • Responsabilidade de aprendizagem é majoritariamente do estudante, já que o professor não é mais aquele que “despeja” conteúdos na cabeça do aluno, mas aquele que orquestra e orienta. Isso não quer dizer que o professor se exime do seu papel de ensinar e nem que aulas expositivas são inúteis. Pelo contrário, cabe ao professor criar estratégias de engajamento e motivação.
     

  • Os conhecimentos prévios dos estudantes devem ser cuidadosamente considerados, pois a psicologia vem mostrando que só é possível aprender novos conceitos se estes puderem ser conectados àqueles que já se sabe, tornando desse modo a aprendizagem significativa.  A aprendizagem relacionada a conhecimentos prévios, advindos da própria experiência de trabalho ou de conhecimentos adquiridos em outras disciplinas tem mais possibilidades de se tornar aprofundada, já que permite a organização dos conhecimentos em estruturas mais amplas e coerentes. Nas palavras de Ausubel: “Se eu tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um princípio, seria: o fator isolado que mais influencia a aprendizagem é o que o aprendiz já sabe. Determine isso e ensine de acordo.” (1968, p. vi) - Acesse este texto na Unidade Web.
    Veja abaixo a representação de como um novo conceito ou conhecimento se insere na estrutura cognitiva do indivíduo, por meio de conceitos que permitem a ligação a outros conceitos que já fazer parte dessa estrutura. Esses conceitos de ligação (S) são chamados por Ausubel de subsunçores:

Veja na tirinha abaixo uma charge do que acontece quando faltam esses elementos de conexão, ou de como um conhecimento novo pode se relacionar de maneira equivocada à estrutura cognitiva, sendo fonte de erro:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  • A prática de habilidades que fazem parte dos objetivos de aprendizagem deve ser parte integrante do design das atividades. A neurociência tem mostrado que o cérebro necessita de práticas recorrentes para que os novos conhecimentos e experiências sejam relacionados àqueles já existentes. “A menos que os novos conhecimentos sejam integrados aos conhecimentos prévios, esse novo conhecimento permanecerá isolado, não pode ser utilizado efetivamente em novas tarefas e não se transfere prontamente a novas situações.” (American Psychological Association, apud Harris e Cullen, 2010, pos. 1048)
     

  • O desenvolvimento da metacognição é essencial para o desenvolvimento da competência de aprendizagem contínua. É a reflexão sobre como se aprende e sobre a origem dos erros cometidos, ou o “monitoramento ativo dos processos de pensamento, regulando-os e orquestrando-os para alcançar um determinado objetivo.” (Davis, Nunes e Nunes, 2005, p. 212) Artigo: (Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem/ Célia Ribeiro ou Metacognição como estratégia reguladora da aprendizagem/ de Jou e Sperb)
     

  • A natureza social da aprendizagem deve ser incentivada pelo professor. É por meio da troca com colegas e com o professor, que se constrói uma comunidade de aprendizagem, na qual cada um pode construir seus próprios conhecimentos a partir de interações, já que as pessoas aprendem com os outros, como já nos ensinou Vigotsky.

 

Para que se possa de fato passar de um paradigma instrucional para o paradigma centrado no estudante e na aprendizagem é necessário ter um foco claro nas evidências de aprendizagem e utilizá-las de maneira a incrementar os resultados. Selecionar e aplicar instrumentos que proporcionem esses dados, documentar a aprendizagem dos estudantes e agir prontamente para que os resultados de aprendizagem melhorem, está no coração da prática docente. É o fundamento da melhoria contínua da qualidade do ensino e da excelência acadêmica.

Para refletir:

 

  • Como você tem encarado o processo de avaliação dos seus estudantes até aqui? Como uma exigência institucional ou como fator importante para a aprendizagem?

  • Quais ferramentas de avaliação você tem utilizado? Elas têm provocado nos estudantes a reflexão sobre como aprendem e a origem de seus erros?

  • Como você tem feito o levantamento dos conhecimentos prévios dos seus estudantes?

Avaliação e aprendizagem na Educação Superior

RESUMO: Este artigo apresenta uma análise teórica sobre as relações entre avaliação e aprendizagem na educação superior. Tendo por base a perspectiva fornecida por um conjunto de pesquisas a respeito da avaliação no contexto do ensino universitário, analisamos a influência que as práticas de avaliação exercem sobre a abordagem dos alunos em relação à aprendizagem. Também exploramos o conceito de estilo de pensamento, fundamentados nos escritos de Sternberg (1997). Ao final, tecemos algumas considerações acerca da importância das escolhas avaliativas exercidas pelos professores que atuam na graduação. Palavras-chave: ensino superior, avaliação da aprendizagem.

Avaliação é, pois, central ao processo de ensino e aprendizagem. Condiciona a percepção do estudante sobre a instituição, sobre o professor e sobre seu próprio processo de aprendizagem, além de fornecer informações e orientar decisões sobre o procedimento e métodos, tanto do professor quanto do estudante.

 

O foco na avaliação no paradigma centrado no estudante vai refletir os valores de tal paradigma, ou seja, a aprendizagem. O paradigma centrado no estudante é verdadeiramente uma cultura de avaliação. Nós conduzimos avaliações porque verdadeiramente queremos aprender, mudar crescer, melhorar, não por que estamos indo ao encontro de alguma imposição externa que tem poder sobre nós. No paradigma centrado no estudante, avaliação leva ao aumento da qualidade por que a avaliação é vinculada aos objetivos e metas de aprendizagem, e num sentido mais amplo, vinculada à visão compartilhada pela instituição. Harris e Cullen (2010, pos. 1557)

 

Compartilhamento é palavra-chave na avaliação, não apenas do ponto de vista institucional, como nos aponta Harris e Cullen, mas também entre o docente e o estudante. Se a avaliação pode ser foco de muitos conflitos em sala de aula, ela se torna instrumento de aprendizagem quando acordada e compartilhada entre ambas as partes. Nesse sentido, o esclarecimento inicial de critérios e ferramentas de avaliação é essencial nesse processo, afinal, já diz o ditado, “o que é combinado não é caro”. Daí a importância do detalhamento do processo e da discussão dos critérios logo na primeira aula e a permanência deles ao longo do semestre. Não há nada que provoque mais insatisfação do que a mudança de data de provas, o adiamento da entrega de trabalhos (os que entregaram no prazo sentem-se prejudicados) e a mudança de critérios na última hora.

Para refletir:

 

  • Quais as principais dificuldades que você tem encontrado no que se refere ao processo de avaliação?

  • Qual impacto você acha que o processo avaliativo das suas disciplinas tem nas atitudes e percepções dos seus estudantes?

  • Quais atividades de avaliação formativa você tem incluído nas suas disciplinas?

Keep walking...

No Capítulo 2, você vai refletir sobre como criar estratégias de avaliação baseadas na Taxonomia de Bloom.

bottom of page